quinta-feira, 15 de julho de 2010

A vergonha como reguladora moral

A vergonha como reguladora moral
Vivemos em uma sociedade onde corrupção, roubo, assassinato, tem sido uma prática “comum”, porém não estamos nesse momento vivendo uma crise moral, pois ela é bem antiga, apenas aumentou com o capitalismo e a prática do consumismo exacerbado. A vergonha é uma das melhores ferramentas para formar sujeitos que não roube, não receba propina e não saiam matando gente de forma indiscriminada. É através de trabalhos, estudos e pesquisas que desde a década de 80 o professor de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Yves de La Taille vem investigando o desenvolvimento moral, tentando explicar como a noção de moral é fundamental na formação de um ser humano.
Nascido na França, porém criado no Brasil desde sua infância, Yves Joel Jean-Marie Rodolphe de La Taille, é uma das maiores autoridades e especialista mais respeitado do país quando o assunto é Psicologia do Desenvolvimento Moral. Possui graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e é Livre Docência, tudo pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor e diretor do Instituto de Pesquisa na Universidade de São Paulo (USP). Foi autor de algumas obras onde se destacam: Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão; Limites: três dimensões educacionais; Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas e Cinco estudos de educação moral.
Yves objetiva por meio da obra me análise, discutir o papel que o sentimento da vergonha exerce na ação e desenvolvimento morais no ser humano. Para tanto, estabelece um mapa conceitual que envolve idéias próprias de outros autores. Tal discussão se dá sobre o pano de funda da matriz construtivista, pois se encontra sustentada em teorias clássicas como as de Piaget, Freud e Kant. Não bastasse essa reflexões teóricas acrescenta estudos empíricos com crianças (na faixa etária entre 6 e 12) e discute situações cotidianas que acabam por envolver profundamente o leitor.
A obra encontra-se organizada e torno de duas grandes partes que, por sua vez, estão subdivididas em capítulos. No capitulo 1: “Personalidade e moral” define a moral como um conjunto de regras restritivas da liberdade individual, de caráter obrigatório, cuja finalidade é garantir a harmonia do convívio social. No campo moral considera-se as virtudes como justiça, generosidade, fidelidade, gratidão, compaixão e tolerância. Retoma as teorias clássicas (Freud, Piaget e Kohlberg) para analisar a moral e sua relação com o “Eu” e estabelecer o lugar que a mesma pode ocupar na construção da personalidade, pois a construção da identidade situa-se na busca de um valor positivo. Dessa forma para estudar a personalidade humana, devemos estudar a moral e vice-versa, fazendo um debate em torno da moral e da ética.
No capitulo 2: “Representações de si e valor” faz uma análise o qual a tomada de “consciência de si” desenvolve-se paulatinamente a partir de uma fusão inicial da criança e do universo em que nasce. O autor destaca que na fase infantil encontra-se a raiz dos complexos de inferioridade sentida por muitos adultos, e que o homem busca identificar-se com valores visto como positivo para ele. As “representações de si” decorrente da tomada de “consciência de si” são sempre valorativas, e que os olhares e juízos alheios desempenha um papel importante para sua construção.
No capitulo 3: “A vergonha” discute com mais precisão o sentimento da vergonha, e a importância da mesma para entender o ser humano de forma geral e compreender seu juízo e comportamento morais. Apresenta várias definições de vergonha desde o “Aurélio” aos Dicionários franceses. Destaca cinco eixos organizadores dos sentidos da palavra vergonha são: 1) Exposição/ juízo; 2) Ação própria/ humilhação; 3) Sentido positivo / negativo; 4) Passado-presente/ futuro; 5) Moral/ amoral. Busca analisar a relação desse sentimento em situação de exposição não vinculada a juízos negativos e sim através do autojuizo e o juízo alheio; a humilhação no sentido de inferioridade e rebaixamento; na representação de valores, estudando seus aspectos positivo e negativo. Portanto mesmo as pessoas que não confessam publicamente sua vergonha, mesmo assim sofrem deste sentimento.
No capitulo 4: “Vergonha e moral” analisa de maneira crítica a relação entre a moralidade e o sentimento da vergonha, salientando a importância que ambas exercem nas ações morais, procura relacionar a vergonha a outros sentimentos como culpa, medo e honra. Afirma que é impossível pensar a motivação moral sem a afetividade. Os estudos sobre a diferença ente a culpa e vergonha afirmara que a primeira relaciona-se a ação e a segunda sendo ao “Eu”, e que a culpa e a vergonha são sentimentos que pode levar a pessoa à auto-avaliação. Enfatiza também que podemos sentir culpa e vergonha sozinhos, sem controle externo, enquanto a culpa pode ser retirada por outrem, a vergonha deve ser superada. Ao pensar o lugar da afetividade na moral e comparam os dois sentimentos, a culpa e a vergonha, tal comparação nos permitiu ver que embora diferente da culpa em aspectos essenciais, a vergonha vincula-se claramente a moral. Viu-se que a honra pode associar a diferentes conteúdos, uns moralmente suspeitos e outros, pelo contrário eticamente admiráveis.
No capitulo 5: “Gênese do sentimento de vergonha” dando início a segunda parte do livro foi exposto pesquisas com crianças de 6 a 14 anos para comprovar a existência de uma “gênese natural” do sentimento da vergonha quando relacionada a moral, principalmente durante a infância. Os estudos Piagetianos, freudianos e de outros autores foram relevantes para os estudos psicológicos. A primeira pesquisa teve como resultado que a vergonha de exposição cede pouco a pouco o terreno para a vergonha desencadeada por um juízo de valor, a outra teve como objetivo saber a partir de que idade as crianças atribuem sentimentos negativo a alguém que cometeu uma infração moral, o qual revelou que crianças maiores atribuem sentimentos negativos ao infrator por já esta adentrada na fase da autonomia. Com relação á vergonha associada aos castigos (broncas, reparação, castigos físicos), confissão pública, insulto, crítica, verificou-se através das pesquisas que as crianças a partir de 8 anos começam a sentir o peso do juízo alheio e a sentir vergonha associada a valores, ao contrário das crianças que atribuem como mais doloroso as sanções materiais.
No último capitulo o 6: “Segredo, humilhação e confissão” as pesquisas realizadas também com crianças de 6 a 14 anos. Aponta que a partir de 4 anos em média elas já compreendem o que é um segredo, e dos 9 a 10 já concebe o direito ao segredo em geral referente a aspectos íntimos e as tentativas alheias de conhecer-las são intenções de ajuda. A humilhação foi classificada em três categorias: as humilhações domesticadas, as ritualizadas e as violentadoras, sendo que as três têm em comum a intenção de rebaixar em algum aspecto a pessoa alvo, intenção esta que é própria definição der humilhação. Diz também que a humilhação é passível de condenação moral. Já nos estudos referente à confissão, vimos que em alguns casos ela costuma ser mais admirada do que exigida, e é um tema moral desde muito cedo, é defendida pela necessidade da confiança mútua e de assumir o que fez.
Conclui que a vergonha é um dos sentimentos essenciais à moralidade humana e que a mesma vai aos poucos, associando–se a valores morais.
Nietzsche, em “Genealogia da moral” vê na moral a problemática do “domínio”, onde todas as morais são configurações a partir do exercício do “Poder”. E só há valores na medida em que a própria vida os estabelece. Para ele o nível de uma moral determina – se segundo o grau de verdade, da conformidade à vontade de domínio enquanto essência da vida. Já Yves vê a moral como um conjunto de regras com a finalidade de garantir a harmonia da sociedade e que é uma problemática apenas se separada dos domínios convencional.
“Vergonha, a ferida moral” é uma obra que nos remete a possibilidades de reflexões sobre um sentimento presente em maior ou menor grau em todos os seres humanos, e que somente nas últimas décadas vem sido discutido com consistência. O autor aborda relevantes estudos e pesquisas sobre o papel do sentimento da vergonha na construção da moralidade humana, que é um componente fundamental na prática de todo educador. É uma obra importante principalmente para pessoas que trabalham com o desenvolvimento humano, tanto na área da psicologia quanto na área da educação
Referências:
LA TAILLE, Yves de. Vergonha: a ferida moral. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 287 p.
NIETZSCH, Friedrich. A genealogia da moral. 3. ed. São Paulo-SP: Morais. 1991

Um comentário:

  1. Cida:
    Vergonha é uma palavra que não existe no dicionário de muita gente,para tudo tem uma explicação, uma justificativa, principalmente para a falta de vergonha que existe em profusão, a palavra que existe para substituir a vergonha em relação a política é descaso, na educação faz vergonha verificar o conhecimento inexistente dos alunos.Vergonha era para ser um sentimento inerente ao ser humano, hoje existe um desconhecimento quase total do que significa. Osminda

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